48º Festival Música Nova (2014)

A MÚSICA NOVA DA POLIFONIA DE NOTRE DAME AO SÉCULO XXI


O FMN já possui certo distanciamento crítico para poder se auto-avaliar desde sua nova proposta, em 2012, quando o SESC-SP em conjunto com a USP de Ribeirão Preto passou a sediá-lo, com a inclusão, na programação, da música nova de todos os tempos - desde a invenção da própria música, tal como a entendemos, pelas mãos dos gregos antigos.

Esta mudança de rumo talvez tenha suscitado alguma querela. Perguntou-se, afinal, por que estaria presente a música do passado - como Machaut, Gesualdo, Bach ou Beethoven - junto às composições vanguardistas das velhas linhas de Darmstadt, ao lado de composições minimalistas, eletroacústicas, espectrais ou texturais, entre os gestos característicos da improvisação livre e os conglomerados poli-estilísticos pós-vanguarda? Será que em algum lugar se perdeu a essência experimental do FMN? Com o novo sucesso de público, desde 2012, temos de fato a negação do experimentalismo? Muito pelo contrário.

Inicialmente, há que se compreender as diferenças entre experimentalismo e vanguarda. Para Umberto Eco, “toda verdadeira invenção artística é experimental em todos os tempos e lugares. Neste sentido, a música polifônica era experimental em relação ao cantochão. Beethoven era experimental em relação a Haydn, e assim sucessivamente”. Stravinsky, Bartók e Villa-Lobos foram altamente experimentais e inventivos em seus trabalhos com as músicas populares já urbanas, desde Brahms com suas danças húngaras e Chopin com suas mazurcas. Ainda para Umberto Eco, “entre os séculos XII e XIII, os compositores polifonistas de Notre-Dame foram experimentais quando adotaram o intervalo de terça pela primeira vez para que se tornasse aceito pela sensibilidade musical corrente”. Umberto Eco conclui que, ao contrário das “lentes deformantes de uma sabedoria tradicional e autoritária, faz parte do experimentalismo a constante transformação do método, falando com simplicidade”. Ou seja, o experimentalismo é uma postura incansável de mudança e auto-superação. Neste mesmo sentido, já distante da rigidez da velha vanguarda e aberto à música nova de todos os tempos, o FMN permanece experimental, porque entende que nossos tempos são dos sistemas abertos, bem como dos diálogos entre os sistemas.

Não somos nós, mas sim Charles Baudelaire quem já há muito percebia a armadilha na tradição das metáforas militares, como no caso de se pensar numa vanguarda (conceito de origem evidentemente militar) no contexto artístico. Baudelaire chamou a atenção para “os poetas de combate”, para “os literatos de vanguarda”, cujos “hábitos de metáforas militares denotam espíritos não militantes, mas feitos para a disciplina, isto é, para o conformismo, espíritos nascidos domésticos”. Seria uma visão profética de Baudelaire? O que antes se pensava como inovação e desprendimento não pode agora se transformar numa doutrina de corporação, cuja assimilação, obediência e fidelidade diante da patrulha ideológica adquirem mesmo os rigores de uma hierarquia militar? Seria o caráter evidente de exclusão em nome da uniformidade. Nossa proposta, desde 2012, ao contrário, contempla a pluralidade, o não-padrão, e, acima de tudo, a inquietude filosófica.

Schönberg, um dos gurus da primeira vanguarda pós-guerra, afirmou “ter orgulho em escolher uma má estética para os alunos de composição, se em compensação der a eles um bom aprendizado de artesanato”. Esta ideologia gerou alguns resultados desastrosos em Darmstadt e continua gerando em seus últimos epígonos ainda hoje - não obstante várias de suas importantes contribuições históricas. Está claro que houve certa precariedade filosófica na geração dos compositores da vanguarda autoproclamada. Permaneceram na superfície de uma autoidolatria tanto excêntrica quanto excludente. Assim, esqueceram-se do mundo. Não é por menos que também o mundo se esqueceu deles e nem cabe aqui lembrá-los mais enquanto único caminho para a música nova. Ao contrário, vamos nos lembrar agora também daqueles que eles tentaram esquecer. É por isso que apresentamos nesta 48ª edição do FMN obras de compositores como Villa-Lobos - historicamente execrado pelas primeiras fileiras da velha vanguarda - e também o já centenário Guerra-Peixe, ao lado de uma compositora inédita no Brasil, a alemã Dorothea Hofmann, nossa compositora residente desta edição 2014 do FMN.

Com três sedes em 2014, Ribeirão Preto, São Paulo e Santos, o FMN se consolida cada vez mais em sua 48ª edição por meio do trabalho conjunto do SESC-SP com a USP de Ribeirão Preto, com seu caráter didático enquanto festival que além de concertos oferece também cursos, procurando viabilizar sempre já um maior acesso do público em geral à música nova, ampliando e abrindo assim o espaço da música de concerto de nossos tempos.

Por Gilberto Mendes, Rubens Russomanno Ricciardi & Lucas Eduardo da Silva Galon



Programação:

RIBEIRÃO PRETO

24/9, quarta-feira, 20h30, Theatro Pedro II
    BRUNO TEIXEIRA MARTINS (cravo)
    Concerto de abertura
    (Entrada franca)

25/9, quinta-feira, 20h, Bloco 34 do DM-FFCLRP-USP
    ANTONIO EDUARDO (piano)
    (Entrada franca)

26/9, sexta-feira, 20h, Auditório da FDRP-USP
    ENSEMBLE MÚSICA NOVA 2014
    direção artística de Gilberto Mendes e regência de Jack Fortner
    (Entrada franca)

30/9, terça-feira, 20h, Auditório da FDRP-USP
    DUO IN TEMPORI com Carlos Sulpício (trompete) & Eliana Sulpício (percussão)
    (Entrada franca)

30/9, terça-feira, 20h30, Auditório da FDRP-USP
    ORQUESTRA ERRANTE
    direção artística de Rogério Costa
    (Entrada franca)

1/10, quarta-feira, 20h, Auditório da FDRP-USP
    LÍVIO TRAGTENBERG (piano e Ofício de Compositor)
    (Entrada franca)

2/10, quinta-feira, 18h30, Bloco Didático da FDRP-USP
    DOROTHEA HOFMANN (Ofício de Compositor)
    (Entrada franca)

2/10, quinta-feira, 20h, Auditório da FDRP-USP
    USP-FILARMÔNICA
    Cláudio Cruz (maestro convidado) e Riane Benedini (flauta)
    (Entrada franca)

3/10, sexta-feira 20h, Auditório da FDRP-USP
    QUARTETO DE CORDAS “CARLOS GOMES”
    participações especiais de Igor Picchi Toledo (clarineta) & Lincoln Reuel Mendes (contrabaixo)
    (Entrada franca)

4/10, sábado, 20h, Auditório da FDRP-USP
    PIAP - GRUPO DE PERCUSSÃO DO IA-UNESP
    direção de Carlos Stasi e codireção de Eduardo Gianesella e Herivelto Brandino
    Concerto de encerramento
    (Entrada franca)



SÃO PAULO

26/9, sexta-feira, 20h, Sesc Bom Retiro
    1) TARSO RAMOS (piano)
    2) MADRIGAL ARS VIVA com Roberto Martins (maestro)
    (R$30,00 inteira; R$15,00 meia; R$9,00 comerciários)

27/9, sábado, 19h, Sesc Bom Retiro
    QUARTETO DE CORDAS “RADAMÉS GNATTALI”
    participações especiais de Jean Willian (tenor) e Dorothea Hofmann (compositora residente no FMN 2014)
    (R$30,00 inteira; R$15,00 meia; R$9,00 comerciários)

28/9, domingo, 18h, Sesc Bom Retiro
    ENSEMBLE PERCORSO
    direção artística de Ricardo Bologna, apresentando o compositor Marcus Siqueira
    (R$30,00 inteira; R$15,00 meia; R$9,00 comerciários)



SANTOS

2/10, quinta-feira, 19h30, Pinacoteca Benedicto Calixto
    ANTONIO EDUARDO (piano)
    (Entrada franca)

4/10, sábado, 20h, Sesc Santos
    1) TARSO RAMOS (piano)
    2) MADRIGAL ARS VIVA com Roberto Martins (maestro)
    (Entrada franca)


  • 48º Festival Música Nova (2013)
    48º Festival Música Nova (2014)

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